A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM foi desativada pela primeira vez, em 1972, a ordem veio do Governo Federal da época e desagradou a pacata população do, então, Território Federal de Rondônia que gozavam das viagens de trem para escoamento de suas produções, visitas à parentes e movimentava a economia entre Guajará-Mirim e Porto Velho.
A finalização das atividades da ferrovia, culminou num movimento histórico espontâneo conhecido como o “Último Apito”. Ocasião em que os ferroviários e a população portovelhense se reuniram na estação para assistir, lamentar e chorar a paralização das lendárias máquinas. O ferroviário Manelão lembrou daquele dia com tristeza, “O último apito atrasou pois decidimos fazê-lo somente quando todas as máquinas estivessem no pátio. E faltava a 50 que estava voltando de Vila Murtinho, esperamos até que ela chegasse e quando chegou, foi aquela choradeira ao acionarmos o apito, o último.”
Enfim, a estação tem uma ligação estreita com as emoções dos rondonienses em geral; pois foi a partir da construção dela, que surgiu a cidade de Porto Velho e posteriormente Rondônia.
Muitas histórias e narrativas nostálgicas retratam este patrimônio como marca fundamental da nossa história. As memórias ilustram e dão um significado peculiar aos que vivenciaram a saga de sua obra. Momentos de sofrimento, com a morte de incontáveis pessoas que se aventuraram neste trabalho, em um local pouco conhecido por eles e cheio de desafios que enfrentaram com a própria vida (1907- 1912). Por outro lado, períodos de glória, vividos pelos que herdaram o complexo ferroviário concluído para o gozo do que havia de mais moderno para a época, final do século XIX, máquinas a vapor.
Podemos confirmar a afirmativa pontuando dois eventos históricos dentro do contexto da estação, um é o “Último Apito” de 10 de julho de 1972. O outro evento é a reativação das viagens do trem (1981-2000), embora somente para fins turísticos.
A viagem inaugural da reativação, lotou a praça da Estação ferroviária de entusiastas para comemorar a volta dos passeios de trem. O ex governador Jorge Teixeira foi ovacionado pelo feito, na presença do ex presidente Figueiredo que veio para Rondônia prestigiar o evento.
Todo evento relacionado à EFMM, ativa as emoções dos que cultivam a memória rondoniense. Por isso, neste mês, nosso parabéns vai para os imortais ferroviários que ao se dedicarem nos trabalhos da estação, como simples homens, não imaginavam que estavam marcando nossa história para sempre. E parabéns aos que preservam esses significados históricos da nossa gente.
No mês de agosto deste ano, não comemoramos apenas mais um aniversário da Estação Ferroviária que venceu a floresta úmida, insalubre e inóspita; as cachoeiras invencíveis que desafiava os mais corajosos aventureiros. É dia de relembrar os incontáveis aguerridos que morreram nos trabalhos iniciais da construção. Segundo o historiador Marco Teixeira, foram muito mais baixas do que os que houve com os pracinhas que foram para a Segunda Guerra.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré não é apenas um patrimônio histórico material. É imaterial também, a medida que os significados que a permeiam estão imbricados no imaginário e narrativas do povo de Rondônia.
É o “lugar-mundo-vivido” dos filósofos da fenomenologia, com destaque para Yi-Fu Tuan que afirma “que não há nada mais espiritual do que a matéria.”
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Os sonhos, anseios, sofrimentos, sucessos e assolações dos sujeitos envolvidos nos trabalhos da EFMM, estão vivos no simbolismo da cultura de Rondônia. Suas percepções vividas são nossas heranças, passadas por narrativas. É também o nosso legado, passo que é nosso dever preservar e perpetuar a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e seu significado para a história e cultura de nosso povo às novas gerações.
Núbia L. S. Sussuarana, Mestra em Letras com pesquisa na área da linguística da Libras. Profa universitária na disciplina de Libras, intérprete de Libras do Governo de Rondônia. Membro do Grupo de Estudos da Cultura e Modos de Vidas Amazônidas – Gepculcura – UNIR, membro do projeto "Açaí com Libras". Intérprete perito do TJ-RO. Autora dos Livros, "Metaplasmos na Libras", "Amazônia pelos Amazônicas" e "Sinais para Conhecer Rondônia: História, Cultura e Libras.