Autor: Moisés Selva Santiago
Ao publicar "O Outro é o Demônio" (São Paulo: Paulus, 2012), Ivo Pedro Oro não imaginou que dez anos depois esta análise sociológica do fundamentalismo subisse aos palanques eleitorais, como temos visto recentemente, inclusive nos cultos. Mesmo não sendo novidade, a demonização do Outro ressurge como se vivêssemos ainda sob a colonização portuguesa, quando o diferente era considerado merecedor de ser extinto.
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Intrigante é que tanto no passado quanto agora os defensores da aniquilação do Outro se consideram cristãos. Na Bíblia que eles leem (será?) há um Jesus com arma na cintura, cercado por doze homens armados terrivelmente evangélicos dispostos a destruírem a quem pensa diferente deles. Não sei como, mas essas pessoas não enxergam em o Novo Testamento o duplo mandamento de Jesus: "amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" (Mateus 22.37).
Dificilmente um leitor cuidadoso da Bíblia defenderá que amar a Deus sobre todas as coisas signifique destruir vidas. Este milenar texto de Deuteronômio 6.4-5 ensina que o indivíduo deve amar a Deus com todo o coração, alma e força. Compromisso pessoal e intransferível, ensinado às novas gerações. E ensinar nunca foi nem é sinônimo de destruir o próximo.
Mas logo alguém pergunta: quem é meu próximo? Isto nos faz ouvir de Jesus a parábola do samaritano que vê, acolhe e socorre um homem desconhecido roubado e surrado e posto na estrada para morrer. Como diz o psicanalista Luigi Zoja, esse samaritano ajuda o próximo não porque ouviu um sermão ou um pedido de socorro, mas porque possui compaixão (La muerte del prójimo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2015).
E o que tudo isto tem a ver com as eleições? Infelizmente, observamos alguns com o mesmo pensamento dos cristãos colonizadores que perseguiram com fúria e bala a indígenas, negros, ateus e gente de outra fé, muitas vezes queimando-os nas fogueiras após sentenciá-los como adeptos do diabo, capeta, belzebu ou cramunhão. Ao contrário, viver e propagar a fé cristã – seja em que século for – implica no cumprimento do amor a Deus, a si mesmo e ao próximo.
Amar ao próximo é respeitar este Outro – sua pessoa, corpo, sexo, cor da pele, família, crença, cultura, bens, sotaque, gosto, partido político e até time de futebol! É assim que se estabelece a democracia, a salutar convivência dos diferentes, o alicerce do estado democrático de direito. Palanque eleitoral, presencial ou midiático, precisa ser espaço para discussão de propostas que melhorem a vida do povo brasileiro, e não para cruzadas religiosas, cujo discurso de ódio em nada se parece com a expectativa de Jesus, ao afirmar que seremos conhecidos como discípulos dEle se amarmos uns aos outros (João 13.35) – pois o outro não é o demônio.