Autor: Marquelino Santana
A seringueira tem mãe. Segundo os seringueiros, todos os passos que eles fazem na estrada de seringa, ela se põe a observar. Nenhum seringueiro poderá aprofundar o caule da árvore com a sua faca de seringa para que ela não morra e sob pena de sofrer penalidades da Mãe-da-seringueira.
Os seringueiros nos dizem que a Mãe-da-seringueira não perdoa, e pode deixar o seringueiro sem extrair o látex, e conforme for a sua ousadia, ele terá que se mudar para outra colocação como castigo recebido. Mas ela também sabe perdoar, desde que o seringueiro se arrependa e faça um compromisso ou promessa no sentido de preservar as suas filhas seringueiras.
A mitologia dos seringais é parte indissociável do ser dos entes seringueiros, ela está presente na cotidianidade das colocações, na organização das espacialidades e em suas representações simbólicas.
Na estetizante e fabulosa mata amazônica há uma deslumbrante fascinação do colossal esplendor entre o homem e a natureza fulgente. No imensurável seringal e na suntuosa estrada de seringa, o seringueiro contemplava sem mácula a complacente e benévola Mãe-da-seringueira como forma divinizante de agradecimento e adoração pelo dadivoso pão de cada dia.
No irruptivo cotidiano dos seus modos de vida, o auspicioso seringueiro sempre prezou pela fé e exaltação à encantadora e prodigiosa Mãe-da-seringueira. Esse sentimento de pertencimento ancestro – cosmogônico era ontologicamente celebrado pelo homem ribeirinho aos pés da divinal e milagrosa árvore mãe seringueira.
Ao redor do tronco da simbólica árvore eram deixadas uma diversidade de oferendas iluminadas à luz de velas, e nessa sagrada mito-ritualística poetizante, o seringueiro saía dali com a divinal certeza de que a sua produção de látex aumentaria milagrosamente.
Entranhado nesse imaginário privilegiado da natureza estetizante e imbricado nessa desmesurada exaltação dos sentidos, essa encantatória relação de exuberância cósmica entre o homem e a terra, nos remete à beleza de um sublime sustentáculo espiritual que também nos leva a um encontro de pureza da percepção entre o ente seringueiro e a sua inebriante substância ontológica de fé e devoção à imaculada Mãe-da-seringueira.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/UNIR e pesquisador do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito da Universidade Estadual de Londrina – UEL.