Inicio minha abordagem retornando à Modernidade, que a partir do século XVIII concretizou conceitos cultivados em eras anteriores, especificamente sobre a separação entre Igreja e Estado, entre sociedade civil e sociedade sagrada. Para relembrarmos, na sociedade sagrada prevalece um sistema de valores considerado inviolável em grau máximo, conduzindo as pessoas a não aceitarem o que é novo, o que é diferente, sendo isto o oposto do que ocorre numa sociedade civil e democrática.
Na verdade, em momento algum se pretende negar a presença da religião na história da humanidade desde seus primórdios. A Sociologia, entre outras ciências, considera a religião como fator positivo para a segurança emocional dos indivíduos que vivem em sociedade. Tanto que, nos milênios da história, o Cristianismo vai surgir dentro do Judaísmo numa época em que dominavam três poderes: o poder religioso no Templo de Jerusalém; o poder do Rei subserviente a Roma; e o poderoso Império Romano. O Messias Jesus, então, convida as pessoas ao redor a participarem de outro reino, um Reino Espiritual. Isto fica evidente em muitas passagens bíblicas, porém ressalto aqui a fala de Jesus quando disse "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" – nitidamente demonstrando haver separação entre o reino terreno e o espiritual.
Os séculos voam e a linha tênue da separação entre Igreja e Estado tem um momento marcante quando em 325 d.C. o Cristianismo passa a ser religião oficial do Estado. A partir daí a Igreja torna-se autoridade responsável pelo nascimento, batismo, casamento e enterro das pessoas (inclusive em cemitérios da Igreja). Tal amálgama entre a Igreja e o Estado foi questionado em diferentes ocasiões; porém quero destacar o ano de 1611 quando na Inglaterra surge a "Confissão de Fé" de John Smyth e Thomas Helwys, considerados fundadores dos Batistas, afirmando que "o magistrado não deve se intrometer com religião ou assuntos de consciência, nem compelir as pessoas a esta ou aquela forma de religião ou doutrina." O advogado e pastor Thomas foi mais além: escreveu o livro "Breve Declaração do Mistério da Iniquidade", publicado em 1612 e dedicado ao rei Tiago I, onde ele escreve ao rei a não perseguir os súditos em matéria de religião, porque somente Deus tem poder sobre as almas imortais. Esse é considerado o primeiro documento ocidental que defende o princípio da liberdade religiosa e de consciência.
Pensando no Brasil, podemos construir quatro grandes períodos em relação à laicidade do Estado. O primeiro surge a partir dos portugueses que aqui chegam em 1500 e instalam uma religião oficial, intercalada pela invasão francesa no Rio de Janeiro (quando foi instituído o culto calvinista) e pela invasão holandesa em Pernambuco (que instituiu o luteranismo, porém respeitando e convivendo com o catolicismo, o judaísmo – inclusive com a fundação da primeira sinagoga das Américas, erguida em Recife – e também com a religiosidade dos escravos africanos. O segundo período ocorre no Império. Mesmo com uma religião oficial, graças a D. Pedro II, missionários evangélicos tornam-se bem-vindos e implantam variadas denominações, inclusive com apoio da Maçonaria. O terceiro período surge a partir da República, com a separação da Igreja do Estado, embora o catolicismo continue preponderante. O quarto período corresponde à atualidade, quando se nota uma possível ruptura na laicidade do Estado, advinda de segmentos compostos por certos líderes religiosos, parlamentares e governantes. A Constituição atual não declara expressamente que o Brasil é um país laico; mas tal entendimento é reforçado pela caracterização do estado democrático de direito que pressupõe garantia plena da liberdade – inclusive religiosa – de seus cidadãos.
Infelizmente, quando falo de possível ruptura da laicidade do Estado brasileiro não estou sozinho nesse olhar. Diferentes autores descrevem que a desconstrução do estado laico brasileiro se dá pela atual crise na ética cristã, onde certos grupos – inclusive compostos por governantes – incitam as pessoas a preconceitos, intolerâncias, racismos, homofobias, sexismos e outras formas de violências – que são comportamentos criminosos devidamente regrados em nosso ordenamento jurídico e absolutamente contrários aos ensinamentos do Messias de Nazaré.
"Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus"
Por fim, neste contexto, se se quer falar de Educação, reporto-me particularmente ao chamado Ensino Religioso. Num estado laico, incluir tal disciplina somente terá resultado acima de idiossincrasias quaisquer que sejam, se o Ensino Religioso levar os educandos à busca do absoluto; à percepção do fenômeno religioso como integrante da vida humana; a despertar o respeito às diferentes manifestações religiosas, ao outro e ao meio ambiente; e às respostas sobre o sentido da vida.
Como batista que sou, alicerço minhas convicções sobre liberdade de consciência e liberdade religiosa, e isto implica no convívio respeitoso a quem pensa e age diferente, e também implica na separação entre Igreja e Estado. Finalizo reafirmando as palavras do pastor Thomas, proferidas em 1612: "a religião do homem está entre Deus e ele; o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem. Que haja heréticos, turcos ou judeus, ou outros mais; pois não cabe ao poder terreno puni-los de maneira nenhuma".