Somos da estrada um estado de invisibilidade. A sensibilidade humana foi execrada pela absurdez do capital genocida, a usurpação de nossa identidade provocou no nosso cotidiano, uma xenofobia reinante, e a nossa alma cultural foi sendo desalojada pela dor da dominação e da exploração degredada.
Somos da estrada os alóctones sem arbítrio, os apátridas do sacrifício e os imigrantes da espoliação desumana. Somos o infortúnio da infelicidade, o produto da empáfia, a liberdade enclausurada e o embuste faccioso de Farquhar. Somos os féretros da mata, a hecatombe repugnante, o altar florestal dos malfadados e as vítimas inocentes de uma guilhotina férrea que decepava a vida, a dignidade e o lar.
Somos o diálogo asfixiado na hora do pão em fatias e da fome, somos o diálogo desesperançoso da volta ao lar, somos a dor de uma família enlutada que não pôde chorar no pé da cova, somos a cova rapidamente cavada às margens da estrada e somos os restos mortais lançados ao rio, sem piedade nem comiseração.
Somos a estrada agora sem trilhos, somos a história desonrada e ferida, somos as marcas extintas, engolidas pelo latifúndio, somos um trecho que ainda resiste, somos os remanescentes desprovidos de Carta Magna, somos o sonho da restauração da estrada, somos os órfãos da estrada da morte e somos amigos da estrada da vida.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Percival Farquhar o maior empresário do Brasil: Territórios, Redes e Conflitos na Implantação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM-RO) e na Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG-PR/SC), da Universidade Estadual de Londrina e do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito, também da Universidade Estadual de Londrina.