A geografia poética na sua instigante alteridade no momento de imaculada pureza e sublime percepção de relação plurissignificante, entroniza na alma da imaginação humana a substância ontológica de ser e mundo.
Ser e mundo vivem viscosamente entranhados nas peculiaridades estetizantes do imaginário amazônico. Para Gaston Bachelard, a fenomenologia da imaginação exige que vivamos diretamente as imagens, que as consideramos como acontecimentos súbitos da vida. O mesmo autor nos revela que a fenomenologia da imaginação poética permite-nos explorar o ser do homem como o ser de uma superfície, da superfície que separa a região do mesmo e a região do outro.
Segundo Gaston Bachelard o homem é um ser entreaberto, enquanto a porta é todo um cosmos do entreaberto. Conforme nos esclarece Otto Bollnow, para que a casa não se torne uma prisão para a pessoa, deve ter aberturas para o mundo, que liguem de maneira adequada o interior da casa com o mundo exterior.
A casa aprazível e benevolente não há espaço para a altercação escabrosa, nem para a soberba e insolência humana. Desta forma a porta escancarada não é sinal de desordem ou conflito, muito menos característica de uma vida assuada, repugnante ou aversa.
A sociedade vigente aviltante e ignominiosa que provoca a desonra do lar faz com que a soberba e insolência leve até o limiar da casa um embuste aterrorizante que fere a alma e o bem viver. Otto Bollnow nos diz que o homem pode se fechar em sua casa, mas nem por isso está preso nela, pois segundo o mesmo autor, se assim fosse, sua casa se tornaria imediatamente uma prisão, e a consciência de estar preso se mostraria como pressão torturadora e insuportável sobre a pessoa.
Os modos de vida das coletividades tradicionais e originárias da Amazônia, continuam resistindo a avidez e ganância do mundo globalizado, essa resistência ao mundo beligerante ocorre pela via da poética ontológica do bem viver e pelas encantarias da porta que continua sendo vista como uma holística imaginação da liberdade. Para Bollnow, quem, contudo, tranca a própria porta, preserva sua liberdade, e mais precisamente dessa maneira é que conhece a peculiar e plural liberdade.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Percival Farquhar o maior empresário do Brasil: Territórios, Redes e Conflitos na Implantação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM-RO) e na Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG-PR/SC), da Universidade Estadual de Londrina e do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito, também da Universidade Estadual de Londrina.