RIO – Mais da metade dos domicílios no país (59,4%) apresentaram algum grau de insegurança alimentar entre entre agosto e dezembro de 2020. Na prática, mais de 125,6 milhões de brasileiros não se alimentaram como deveriam ou já conviviam com a incerteza quanto o acesso à comida no futuro.
Desta parcela da população, 44% ainda diminuíram o consumo de carnes e 41% o consumo de frutas. Os números são da pesquisa "Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil", coordenada pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com a Universidade de Brasília (UnB).
O estudo, divulgado nesta terça-feira, foi realizado entre novembro e dezembro do ano passado. Cerca de duas mil pessoas que fizeram parte da amostra relataram sua situação de segurança alimentar a partir do mês de agosto.
Do percentual de domicílios brasileiros que estavam em situação de insegurança alimentar, 31,7% relatou insegurança leve, 12,7% moderada, e 15% grave – quando há falta de alimento.
Nas casas em que há crianças de até 4 anos, os índices de insegurança são ainda mais críticos do que na média do país: apenas 29,3% destes domicílios comem com quantidade quantidade e em qualidade ideal. Entre os 70,6% que vivem algum nível de insegurança alimentar, 20,5% passam fome.
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A situação mais grave é no Nordeste, onde 73,1% dos lares registraram situação de insegurança alimentar. Em seguida, aparece a região Norte, com 67,7%. A região com melhor situação foi a Sul.
Mesmo assim, metade dos domicílios (51,6%) estava em insegurança alimentar. Centro-Oeste (54,6%) e Sudeste (53,5%) também registraram números preocupantes.
Programas de proteção social
A pesquisa mostrou que os beneficiários do Bolsa Família enfrentam os maiores níveis de insegurança alimentar no país, com 88,2%. Deste grupo, 35% passam fome e outros 23,5% convivem com um nível moderado de insegurança alimentar.
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Nos domicílios que receberam pelo menos uma parcela do auxílio emergencial, a insegurança alimentar grave chegou a 77,4%. Segundo o estudo, 63% dos lares que tiveram acesso ao benefício utilizaram o recurso para para compra de alimentos. Por isso, o fim do benefício em dezembro, e a nova rodada com valores menores preocupam especialistas.
Tereza Campello, economista e professora visitante da Faculdade de Saúde Pública da USP, analisa que o agravamento da insegurança alimentar no país revela uma desproteção social acentuada na pandemia:
— Provavelmente hoje vivemos uma situação ainda pior do que a de dezembro (data da pesquisa) porque estamos já há três meses sem auxílio emergencial. E cortar gastos como esse de alimentação faz mal para a economia. O PIB teria caído o dobro do que caiu ano passado se não tivesse o auxílio emergencial — afirmou Campello, durante evento de divulgação do estudo.
Desde dezembro, o pagamento do auxílio emergencial foi suspenso. Segundo estimativas do pesquisador Daniel Duque, da Fundação Getulio Vargas, mais 22 milhões de brasileiros que não eram pobres antes da pandemia, em 2019, entraram na pobreza neste início de 2021, como reflexo do fim do auxílio e do aumento do desemprego.
Já nas casas em que há recursos de aposentadoria, 46% dos domicílios estão em situação de segurança alimentar, indicando um nível melhor do que aquelas que receberam o auxílio emergencial ou Bolsa Família.