De acordo com Ministério Público, o objetivo teria sido o de evitar que, por falta de leitos, o estado fosse obrigado a decretar medidas de isolamento social mais rígida. Atualmente, a capital de Rondônia enfrenta um colapso na saúde pública pelo excesso de casos e precisa transferir pacientes para outros estados, devido à falta de vagas nas unidades.
Após a denúncia se iniciou um inquérito civil público para aprofundar as investigações e apontar os responsáveis pela inclusão dos números nos documentos. O governo de Rondônia foi procurado, porém seu posicionamento deverá ser publicado em breve.
Segundo as investigações, os dados incluídos nos relatórios se referem a 30 leitos de UTI e 23 clínicos do Hospital de Campanha da Zona Leste, que foi desativado em 14 de outubro, ao fim da primeira fase da pandemia. No local, hoje, até existem camas e equipamentos, mas não há médicos para abrir os leitos aos pacientes.
Para camuflar os dados do relatório eles continuavam lançando esses leitos, mesmo estando inativos e não só estavam inativos, como não havia nem sequer a possibilidade de ativá-los a qualquer momento por absoluta falta de profissionais médicos.
O secretário de Estado da Saúde de Rondônia, Fernando Máximo, afirmou “Seguimos aguardando médicos, porque temos leitos de UTI prontos com todos os equipamentos e demais profissionais aguardando somente os médicos".
Sistema da Saúde em colapso
Devido às medidas de isolamento não estarem mais rígidas durante as eleições, as festas de fim de ano e o início de Janeiro, o estado viu o número de casos crescerem e devido a isso o governo está enfrentando hoje um colapso na rede pública de saúde. Há ainda fila de espera de pacientes, que aguardam uma vaga em um hospital para iniciar o tratamento. "As adulterações já evidenciadas fizeram com que perdêssemos tempo precioso para nos prepararmos para o pior", afirma Guimarães.
O promotor explica que, logo que assumiu as promotorias de saúde no dia 20 de dezembro, detectou que os relatórios diários apontavam mais leitos do que a rede possuía. A partir daí, o MP iniciou um monitoramento dessas divulgações.
Guimarães conta que, no dia 1º, teve uma "segunda evidência" de que a fraude no número de leitos estava ocorrendo.
"O promotor de plantão detectou duas ou três pessoas na fila de espera na madrugada, sendo que no relatório diário apontava a existência de 15 leitos vagos. Foi quando eu conversei com o secretário [de Saúde, Fernando Máximo] e falei: 'Olha, tem alguma discrepância aí. Os leitos que os senhores indicam no relatório diário não estão coincidentes com a realidade. ' Eu inclusive o alertei da consequência do crime de falsidade ideológica. Eles estavam adulterando um relatório que poderia levar, de uma hora para outra, o nosso estado a uma situação caótica, a exemplo de Manaus", diz.
Fraude seria para evitar medidas
Para o promotor, a fraude teve como objetivo principal evitar que a cidade de Porto Velho regredisse de fase nas medidas de isolamento. Segundo o plano estadual de medidas, quanto maior a ocupação de UTIs, mais ações de isolamento são previstas.
"Procurei o secretário de novo e fiz outro alerta: vocês estão adulterando o relatório para não ter que regredir Porto Velho, ou seja, para não contrariar os interesses dos comerciantes, dos empresários. Foi quando eu dei um 'xeque-mate' neles. Eu falei: os senhores vão responder por falsidade ideológica se continuarem adulterando o relatório", assegura.
Com os dados de leitos ampliados artificialmente, no dia seis de janeiro o governo do estado fez uma reunião com seu comitê para reclassificar Porto Velho – que ali já apresentava alta de casos de Covid-19.
Eles, aproveitando-se dos resultados fraudados, regrediram Porto Velho apenas para a fase dois, que permite ficar quase tudo aberto. Naquele dia, com os dados fraudados, estava 67% de ocupação dos leitos, contando os 30 leitos. Se tirássemos os leitos fraudados, iria para ocupação de UTI de 87,5%, o que teria levado automaticamente para a fase um — e era isso que eles não queriam."
No dia seguinte à reunião, diz o MP, o estado corrigiu os dados nos relatórios. "Eles fizeram isso depois da decisão da mudança de fase. Foi quando eu percebi e falei: 'Nossa, isso é gravíssimo'", conta.
Diante da explosão de novos casos, um decreto com isolamento social restritivo foi publicado apenas no último dia 16, quando o governo regrediu Porto Velho para a fase 1. "Antes disso, nós nos reunimos novamente, e eles regrediram para a fase um após a cobrança do MP. Só que daí já era tarde demais", revela.