WASHINGTON — Mais de duas semanas depois de a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais nos Estados Unidos ter sido projetada, em 7 de novembro, o governo de Donald Trump finalmente deu sinal verde para o início da transição formal do poder. A decisão, na prática, equivale a um reconhecimento da derrota do republicano, embora ele afirme que continuará tentando reverter o resultado das urnas.
No final da tarde desta segunda-feira, a Administração Geral de Serviços (GSA), responsável pelo gerenciamento de recursos financeiros e humanos para a transição, enviou uma carta à campanha de Biden anunciando que a verba estava disponível para ser usada. Até agora, a agência vinha se recusando a tomar a decisão, alegando que a vitória do democrata ainda não era oficial.
Pouco depois de o envio da carta vir a público, Trump foi ao Twitter afirmar que o sinal verde para o início da transição havia partido da Casa Branca — apesar de as palavras soarem como uma declaração de derrota, ele manteve o discurso de que continuará contestando a vitória de Biden. O presidente ainda sugeriu que a chefe da GSA, Emily Murphy, foi alvo de "assédios, abusos e ameaças" nos dias que antecederam o anúncio.
"Quero agradecer a Emily Murphy da GSA por sua dedicação e lealdade a nosso país. Ela foi assediada, ameaçada e abusada — e não quero ver isso acontecer com ela, sua família ou os funcionários da GSA. Nosso caso continua fortemente, e vamos manter a boa luta, e acredito que vamos vencer. De toda forma, no melhor interesse do país, recomendo que Emily e sua equipe façam o que precisa ser feito sobre os protocolos iniciais, e pedi que minha equipe faça o mesmo", publicou Trump na rede social.
Na carta da GSA, contudo, Murphy diz que jamais foi pressionada pela Casa Branca em relação ao timing de sua decisão, que ela afirma ter sido tomada "com base na lei e nos fatos disponíveis". Mesmo tornando os recursos destinados para a transição, Murphy afirma que a agência "não aponta ou certifica o vencedor de uma eleição", dizendo que o vencedor será apontado "pelo processo eleitoral determinado pela Constituição".
Na primeira reação depois do anúncio, representantes de Joe Biden celebraram a oportunidade de uma "transição pacífica" e afirmaram que vão se reunir com integrantes do governo federal para "discutir a resposta à pandemia, tomar conhecimento dos interesses de segurança nacional e entender de forma ampla os esforços do governo Trump para esvaziar as agências governamentais". Até agora, o republicano também havia proibido os contatos entre integrantes do seu governo e a equipe do sucessor.
Desde que as projeções dos resultados nos estados apontaram a vitória de Biden, o papel do GSA foi posto em xeque. A agência vinha relutando em dar início ao processo de transição, alegando que ainda não havia elementos suficientes para tal. Diante de tal cenário, a campanha de Joe Biden cogitou entrar com um processo contra Emily Murphy, o que, até o momento, não se confirmou.
Em outra frente, o presidente da Comissão de Formas e Meios da Câmara, o democrata Richard Neal, enviou carta à GSA, na manhã desta segunda-feira, defendendo o imediato reconhecimento da vitória de Joe Biden. Para ele, ao atrasar o processo de transição, a chefe da agência se torna "cúmplice em um desafio sem prececentes às normas democráticas" dos EUA, além de "amealar as vidas e meios de sobrevivência de pessoas ao redor do país".
Em resposta, a GSA afirmou que ainda não havia sido tomada uma decisão, mas que o vice-administradora, Allison Brigati, faria um briefing a integrantes do Congresso na próxima segunda-feira. Não foi informado se a fala está mantida.
Apesar de Murphy garantir que não foi influenciada, a postagem do presidente pouco depois da carta vir a público levanta muitas suspeitas sobre uma eventual pressão vinda da Casa Branca para que o processo de transição fosse atrasado ao máximo, à espera de eventuais vitórias nos processos questionando os resultados nos estados.Veja quem irá liderar a equipe de política externa e segurança nacional de Joe Biden
Mas o que se viu nos tribunais nos últimos dias foi uma série de derrotas da campanha do republicano, que apresentou dezenas de denúncias de irregularidades em disputas vencidas por Biden, mas sem qualquer tipo de prova. Com isso, alguns estados resolveram seguir adiante com as confirmações dos resultados, diminuindo ainda mais a margem de ação dos advogados de Trump.
O primeiro foi a Geórgia, na sexta-feira. Nesta segunda-feira, foi a vez do Michigan, onde o presidente tentou interferir diretamente na certificação dos números: primeiro ao entrar em contato com integrantes da comissão eleitoral no condado de Wayne, onde fica Detroit, e, mais tarde, com parlamentares estaduais, tentando convencê-los a mudar os delegados que representarão o estado no Colégio Eleitoral, na prática ignorando a vontade das urnas. As duas iniciativas fracassaram.
O próximo estado a finalizar o processo deve ser a Pensilvânia, onde os condados já começaram a certificar os números das urnas e um anúncio oficial pode ser feito ainda nesta segunda-feira.
Outro estado onde as ações legais de Trump devem naufragar nas próximas horas é Nevada: ali, a certificação pode ser anunciada já nesta terça-feira. Arizona e Wisconsin farão o mesmo até semana que vem. Todos os estados em questão foram centrais na vitória do republicano em 2016, mas agora passaram para o campo democrata.