No desígnio de revelar o clarividente embate entre o homem e a natureza no escabroso compromisso de instalar gravatas de ferro numa indumentária terrestre, Dana Merrill assistia o insólito na intermitência da intrepidez humana imbricada no âmago de peculiaridades estetizantes da exuberância cósmica da paisagem natural amazônica.
Se não fosse uma intempérie equatorial, terra e homem, constituía um intrínseco invólucro em forma de um manto híbrido na confluência do espaço e tempo à serviço da coerção, do capital e de um poder político provocador de uma verdadeira hecatombe impregnada à mata e embebecida pelo sangue humano.
A exaltação dos sentidos em sua peculiar essência, apesar de um sentimento de exploração e dominação, não dilacera as relações existentes entre os atores sociais e o deslumbramento esplendor entranhado à paisagem contemplativa da magnitude florestal.
A abertura de caminhos adornados com dormentes, atravessavam rios e matas sob o olhar instigante da criatividade humana que nos momentos estetizantes da pureza da percepção, encontrava nas próprias singularidades existenciais do homem com a terra, uma forma de retratar um encontro plurissignificante de uma memória coletiva geo-histórica transcendental.
Os sonhos, as línguas e dialetos, o imaginário afastado do lar, os berços culturais, a pertinácia pela vida e as encantarias da floresta ficaram eternamente alojadas no brioso cerne de cada dormente.
A relevância histórica, geográfica e cultural do que restou, parece sucumbir-se ao império das cinzas, enquanto o poder público na sua divagação e malogro, continua desalojando almas. O fútil descalabro governamental condena cada vez mais um rico imaginário coletivo ao degredo, alicerçado na doutrina de discursos políticos tecnocratas, desvairados, vazios, despóticos e desprovidos de valores.
Rondônia que tanto amamos seria outra, se não fosse o poder depreciador da cultura. Os retalhos da Madeira – Mamoré sobrevivem enclausurados, sob o engodo da mentira ardilosa. Uma prova incontestável desse embuste político é o descaso lamentável em que se encontra o patrimônio cultural ferroviário de Abunã.
Quando a falácia do ignóbil for vencida, quem sabe um dia, também acabe a sua incúria administrativa.
Marquelino Santana é doutor em geografia, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir e pesquisador do grupo de pesquisa Percival Farquhar o maior empresário do Brasil: Territórios, Redes e Conflitos na Implantação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM-RO) e na Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG-PR/SC), da Universidade Estadual de Londrina e do grupo de pesquisa Geografia Política, Território, Poder e Conflito, também da Universidade Estadual de Londrina.