A casa do seringueiro é um importante marcador histórico, visto que é neste seu espaço de vivência que se intensificam as orações espirituais à mãe seringueira e a outros seres mitológicos que fazem parte do seu imaginário cosmogônico.
As experiências acumuladas pelos seringueiros através das atividades de extração, desenvolvidas em suas colocações, passaram a metamorfosear seus modos de vida que no espaço e tempo, foi se construindo uma identidade preenchida de saberes e fazeres da floresta que se transformaram numa singular tradição passada de pai para filho.
O tapiri brasiviano do rio Mamu carrega um rico legado de vivências desde os primórdios do primeiro ciclo da borracha. O tapiri também traz em suas dependências uma diversidade de elementos simbólicos que foram sendo construídos com a dinamização de suas espacialidades.
Conforme bem expressa Bachelard, “Na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplica seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e é alma. É o primeiro mundo do ser humano”.
Quando a família é numerosa, nas madrugadas, antes do início do corte da seringa, a movimentação é grande no interior da barraca. As filhas, ou a filha única, e a mãe ajudam a fazer o café, esquentam ou fazem a “boia”, a comida. Os filhos homens acompanham o pai que lhes ensina o ofício, enquanto os filhos mais velhos ensinam os mais novos e o ambiente de trabalho envolve a todos. O tapiri como marcador territorial “histórico” tornou-se uma tradicional unidade familiar, síntese do resultado de uma existência humana criadora de cultura, alicerçada nas obras da natureza. O tapiri é o guardião da família seringueira.
Nesse espaço de ação, o tapiri aloja os sentimentos da família. A linguagem do espaço vivido é repassada ao lar como a mais natural forma de se criar e manter uma tradição. A presença humana lapida a existência, e a busca pelo conhecer dessa existência, é também a busca pelo conhecer do ser.
O tapiri como a casa do seringueiro integrou-se ao seu ser, pois “Na vida do homem, a casa afasta contingências, multiplica seus sonhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. É corpo e alma”, como nos diz Gaston Bachelard.
O seringueiro criou o tapiri no encontro de espacialidades, territorialidades e temporalidades, e neste encontro, a humilde barraca de palha, marcou profundamente os seus modos de vida, transformando-se num dos mais originais marcadores territoriais dos seringais amazônicos.
No silêncio da casa adormecida o candeeiro é o verdadeiro sinal de descanso e de paz. A sua chama reluz o bem viver e o seu apagar anuncia a aurora de um novo dia. É necessário que estejamos concatenados com o silêncio da casa, ele nos traz as mais imaculadas reflexões da nossa cotidianidade e nos conduz à dimensão ética e estética do bem viver.
Paes Loureiro nos diz que “o homem cria, renova, interfere, transforma, reformula, sumariza ou alarga sua compreensão das coisas, suas ideias, através do que vai dando sentido à sua existência”.
A nossa existência carece de reflexões e elas brotam mais facilmente quando estamos peculiarmente imbricados no silêncio da casa adormecida.
Marquelino Santana é doutor em geografia e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir.