As secas periódicas obrigavam famílias inteiras a percorrerem léguas de estradas em busca da preciosa água. A mulher transformava um velho pedaço de pano (molambo) em um pequeno suporte oval denominado rodilha, – ou “rudia” na linguagem popular do sertão – para receber um “pote de barro” em sua cabeça. Já outros em “melhores condições”, colocavam um cabresto num jumento, depois os “cambitos” e duas ancoretas de madeira para fazer o transporte de água até seu destino final.
Persuadidos e convencidos a embrenharem-se no desconhecido, homens, mulheres e crianças estavam agora determinados a prestarem “seu amor” à pátria. Os soldados e as soldadas da borracha não mediram esforços em abraçar a mãe seringueira e extrair dela seu sustento.
Enquanto os soldados da borracha migravam rumo aos seringais amazônicos, sua família ficava numa espécie de acampamento – denominado núcleo – tomada pela angústia e saudade. Em Fortaleza, as famílias foram alojadas no núcleo Porangabussu, que ficou sob a coordenação de Regina Frota, Esposa do artista Jean Pierre Chabloz, pintor suíço responsável pela confecção e disseminação das propagandas no Nordeste rumo à Amazônia.
No Museu de Arte da Universidade do Ceará (MAUC), existe um conjunto de cartas escritas pelos soldados da borracha, e pelas esposas que ficaram sob os cuidados do SEMTA. Segundo nos informa Verônica Secreto, as cartas dos maridos foram enviadas de diferentes pontos da Amazônia e chegaram ao destino – o núcleo – ou, mais precisamente, a Regina Frota, porque estavam endereçadas a ela, com quem esses esposos tinham conversado antes de partir e na qual confiavam, segundo se depreende da leitura das correspondências. As cartas das esposas, por sua vez, não chegaram ao destino.
Essas cartas, segundo Secreto, podiam não ter chegado ao seu destino em virtude do seu conteúdo, como também, pela dificuldade de se conseguir o endereço para enviá-las. Sobre as cartas enviadas, a mesma autora, nos diz que há uma primeira carta muito significativa da saudosa Elcidia Galvão, de 20 de junho de 1943. Sua saudade é tão grande que leva a escrever a seu Cursino frases como estas: “Hoje as saudades crucificam-me mais do que nunca”; “Quantas noites, quantos dias o meu coração invadido de umas infindas saudades e muitas vezes derramam-se meus olhos lágrimas por esta tua ausência por tão longos tempos”; “Vivo neste núcleo de tristeza sem você”; mas suas cartas não são somente de saudades, pois Elcidia se queixa amargamente das condições de vida no núcleo, onde ”já botaram inquisição por causa do fumo”. Ela informa ao marido que advertira a “mulher do Doutor”, dona Ivete, e ao doutor também que preferia ser “enxotada” a deixar de fumar, já que fumar e chorar eram seus únicos confortos.
As famílias beneficiadas deixaram de receber seus vencimentos, e realizaram uma série de pedidos que foram enviados ao presidente Getúlio Vargas, mas sem resultados. Mulheres e crianças foram submetidas a graves infortúnios em nome da sobrevivência e de uma propaganda enganosa. Os acampamentos ou núcleos, alojaram pessoas que acreditando em no bem-estar de toda família, submeteram-se ao sacrifício de ver seus lares sofrerem graves rupturas, para sempre.
As cartas dos soldados da borracha não chegaram no Nordeste e as cartas das mulheres do sertão não chegaram à Amazônia, com raras exceções. As cartas amareladas resistiram pela fé do amor. Muitos soldados morreram acometidos de várias doenças nos seringais, do outro lado, as suas mulheres morreram no sertão nordestino acometidas da doença da fome.
As cartas amareladas é uma heroica demonstração de luta e resistência de mulheres que nunca se renderam à opressão governamental. Parte delas migraram sozinhas para os seringais amazônicos e conseguiram encontrar seus maridos. Na Amazônia, atualmente, as mulheres remanescentes do sertão, continuam lutando e resistindo bravamente na incansável busca dos seus direitos: Viver com dignidade!
Marquelino Santana é doutor em geografia e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas, Modos de Vida e Culturas Amazônicas – Gepcultura/Unir.