Livre
É difícil imaginar que qualquer diálogo em sala de aula possa se iniciar com uma frase como essa. Mas a transcrição é real e saiu de uma aula de Direito das Sucessões da Universidade Federal de Rondônia, do dia 20 de outubro de 2016. O autor da frase é Samuel Milet, professor da disciplina. Quem chama “vagabunda” é uma colega de profissão, Sinara Gumieri, advogada e mestra em Direito pela Universidade de Brasília, que havia dado uma palestra para as estudantes do curso na semana anterior, sobre a importância de se falar sobre gênero no campo do direito. ENTENDA O CASO.
A ira de Samuel foi provocada justamente por isso: Sinara era uma jovem mulher em um espaço de poder como o palco de um evento acadêmico, falando sobre vidas e violências que aquele que se diz professor não reconhece nem tolera ouvir.
Mas se a agressividade do discurso contra Sinara não deixa de ser grave, a cena da violência se dirigiu a outras, às alunas em sala de aula. Foram elas, e especialmente a aluna interpelada continuamente pelo professor, que foram submetidas aos 15 minutos de virulência daquele que tem voz de mando. Tudo na cena é o contrário do que um encontro pedagógico deveria ser.
Diante de tanta intolerância, Sinara Gumieri procurou a justiça federal do Distrito Federal para processar por dano moral a pessoa de Samuel Milet e a Fundação Universidade Federal de Rondônia.
Conforme o Processo 0006570-89.2018.4.01.3400 protocolado na 27ª Vara dos Juizados Especiais Federal do Distrito Federal, trata-se de Ação proposta por SINARA GUMIERI VIEIRA em desfavor de SAMUEL MILET e da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR, objetivando a condenação dos réus: a) ao pagamento de indenização por danos morais; b) a realizarem retratação pública; c) e à UNIR na obrigação de promover medidas pedagógicas específicas acerca do debate da intolerância, liberdade de expressão e outros temas correlatos.
Citado, Samuel Milet argüiu a sua ilegitimidade passiva e da UNIR. No mérito, sustentou que suas manifestações foram pessoais, dadas em seu próprio nome como cidadão e não como professor, sendo proferidas antes do início do horário da aula.
A UNIR, em contestação, asseverou que o evento que a autora participou não era da Universidade, mas do Centro Acadêmico, razão pela qual não haveria como ser responsabilizada.
Sustentou, também, que o primeiro réu não atuou como agente público, mas apenas declarando opinião pessoal, pelo que, inexistente a vinculação da Administração; e que, caso se entenda que agiu como professor, o docente estaria amparado pela liberdade de cátedra.
SENTENÇA
O Juiz federal GUILHERME JORGE DE RESENDE BRITO entendeu que diante da dimensão da ofensa, e atento à realidade das partes em litígio, à intensidade da falha cometida pela ré, concluiu que o pedido inicial deve prosperar, mas em proporções mais restritas, e fixou a indenização no valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais).
Quanto ao pedido de condenação da Universidade ao implemento de medidas pedagógicas voltadas à discussão da misoginia, intolerância, é inviável seu acolhimento. Primeiro, porque não está claro que tenha havido omissão da Ré no evento danoso, sendo ato isolado de um servidor seu. Além disso, isso afetaria a liberdade de programação de ensino da parte ré. Ademais, compreendo que o fato isolado ocorrido não quer dizer que a instituição de ensino seja conivente com manifestações violadoras de direitos humanos.
Já em relação ao pedido de condenação da UNIR a proceder à retratação pública. Vê-se que por parte da Universidade houve apuração administrativa e punição do servidor (com censura ética e suspensão de 90 dias), ou seja, a desaprovação da conduta pela própria instituição de ensino, inviabilizando cogitar-se em condenação à retratação.
Por fim...Diante do exposto, extingo o feito sem resolução do mérito, com base no art. 485, VI, do CPC (ilegitimidade passiva), em relação a SAMUEL MILET; e JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO, resolvendo o mérito (artigo 487, inciso I, do CPC), para condenar a FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR a indenizar a parte autora pelo dano moral sofrido, no valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), corrigido a partir da data desta sentença, nos termos da súmula 362 do STJ, e acrescido de juros de mora, a partir da data da citação, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
A sentença foi proferida e publicada no último dia 25 de outubro de 2019.
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