A biogenética tem explicado a herança que recebemos, quando nascemos. A sociologia argumenta que somos influenciados pelo meio onde vivemos, ao mesmo tempo que o influenciamos. Traços culturais, gosto por sabores, sotaques ao falar, tons de silêncio, reações súbitas – somadas à forma do corpo e sobretudo do rosto – são marcas passadas de pai para filho.
Há quem não perceba esta realidade. Outros sequer conheceram o pai. Existem aqueles que preferem não falar desse assunto, por motivos de mágoas, não perdão, decepção e até mesmo ódio. Infelizmente, alguns homens nodoam a sublime missão de ser pai, ora com uma presença encharcada de vícios e desacertos morais, ora com uma ausência dolorosa e pulsante.
Dias atrás, ele veio até mim, outra vez. Apareceu na porta do quarto, sem camisa. Abracei aquela barriga afavelmente. E ouvi: "Sou eu, calma!". Só isso. Tão rápido como veio, sumiu no sonho. Logo amanheceria outro dia, e completei o sono. Meu pai tem feito assim. Quando estou sob tensão, como corda de violão extremamente esticada, ele resolve aparecer para dar o tom certo.
Alguém dirá que se trata de um recurso da mente, para aliviar as tensões. Outros buscarão teorias freudianas para explicar o sonho. Para os kardecistas, tais eventos são naturais. E, quem sabe, talvez algum estudioso da Bíblia afirme que o Criador também usa os sonhos para se comunicar com os humanos tão carentes de certezas, segurança e afeto.
A presença de meu pai (nos mais de trinta anos que vivemos juntos, antes dele morrer) continua marcante justamente pelas certezas, segurança e afeto que dele recebi. Certezas sem dogmas e ortodoxias. Segurança alicerçada no respeito ao próximo. E afeto demonstrado no olhar, na palavra, no gesto, no toque, no sorriso – no cuidado diário de quem sabe amar.
Certezas, segurança e afeto deveriam ser o pão nosso de cada dia nos lares desse mundo. Inclusive naqueles onde as Mães estão sozinhas, no grande esforço de serem também pais. Precisamos disto, pois é a base da herança que deixaremos para os filhos. Ouro, diplomas, casas, gado, fama e dólares – nada disso substitui o poder do amor que simplesmente sussurra "sou eu, calma".