Logo cedo, essa semana a maravilha da internet me forneceu a temperatura em Porto Velho, Kiev e Recife. Acompanho diariamente isso porque é na primeira onde vivo, na segunda onde lecionei e fiz missões, e foi na capital pernambucana onde nasci. Hoje, os números mostraram uma sequência que, à primeira vista, colocaria as três pertinho uma da outra, num empate técnico de tempo ameno. Que bom! Isso seria verdade, não fossem os milhares de quilômetros que as separam – inclusive com um imenso Atlântico entre elas – e não fosse, também, a idade delas. Enquanto a amazonense Porto Velho tem pouco mais de 100 anos, a litorânea Recife tem mais de 400 e a europeia Kiev mais de mil! Séculos de história mudam muito o cidadão, a sociedade e o clima, além do que na capital ucraniana o inverno chega a menos 30 graus, uma realidade bem diferente das cidades brasileiras.
Isso me fez pensar. Ultimamente a mesma internet não tem sido tão maravilhosa, ao veicular achismos e afirmações baseadas num único dado, numa informação superficial, numa total ausência de se levar em consideração o contexto. Autoridades eleitas, sob as quais estão a vida de milhões de brasileiros, se valem de lampejos intermitentes para anunciarem decisões que podem alterar a vida desses cidadãos. É como se vissem vagalumes no jardim de casa e afirmassem que esses frágeis insetos são faróis que evitam imensas embarcações naufragarem no agitado mar. Apregoam pseudoverdades e nelas firmam leis, tentando anular a interferência do contexto histórico e científico nos fatos. Agem como se o mundo acabou de nascer com a posse delas nesses cargos de tamanha envergadura e responsabilidade. Desconsideram de forma aviltante a construção desse mesmo mundo, como se fosse possível apagar o passado. E, agindo assim, levam pessoas desatentas a embarcarem num perigoso presentismo onde o imediato torna-se a regra, o diferente transforma-se em inimigo, e o futuro será a repetição do presente.
Definitivamente, olhar uma foto não significa conhecer as pessoas que posam, tampouco o local, a paisagem. Ouvir uma música não é o mesmo que conhecer o compositor e as circunstâncias de cada nota. Ler um livro jamais se iguala a conviver com o escritor e seu universo. Dizer "tudo bem" quando alguém pergunta sobre nossa vida, tantas vezes esconde uma multidão de sentimentos. Saborear um sapoti é muito mais que obter frutose e andar na neve não se resume somente a sentir frio. Isso porque ninguém consegue construir o presente, olvidando o passado. Quem age assim, no mínimo faltou aquelas aulas de história e geografia (e tantas outras) e nunca procurou se atualizar. Daí hoje nos vemos cercados de profunda e lamentável ignorância, recheada de arrogância e má vontade, que centraliza o planeta terra nos umbigos sujos de uma filosofia desprezível.
Ora, ao se comportarem assim, tais pessoas agem como fermento multiplicador de peritos em todo tipo de assunto. Outra vez, uma olhada na internet nos coloca diante deles, sempre ágeis para (des)informar o assunto da moda. Falam, escrevem, gravam vídeos, dão entrevistas, criam desenhos animados, compõe músicas – usam o potencial artístico para expressarem o que julgam ser a verdade – e são até engraçadinhos! Infelizmente, estão apoiados na fragilidade da falta de conteúdo que somente se adquire com a dedicação de tempo para estudos, pesquisas e aplicabilidade científica – pilares de qualquer país sério formado por cidadãos que gozam de cidadania impregnada de respeito, justiça, ordem e progresso. Fora disto, sobram apenas milhões de opiniões que satisfazem o ego deles, mas cujo destino delas é o lixo. Enquanto for normal negar-se os contextos e abrir-se mão dos direitos legais e históricos, logo logo alguém insistirá que Porto Velho, Kiev e Recife são cidades vizinhas, porque um dia estavam com 24, 25 e 26 graus.