(Resposta ao editor do jornal que, na noite anterior ligou me cobrando uma crônica atrasada.)
"Caro editor, sou muito grato por haver lembrado de mim ontem à noite. Devo dizer que fiquei num misto de entusiasmo e espanto por ter lhe ouvido amigavelmente preocupado sobre amenidades como minha saúde, o que tenho feito de bom, dando em mim a sensação de que há uma boa alma a pensar no bem estar deste pobre homem para só então e finalmente, lembrar me que não tenho escrito crônicas conforme o combinado para seu jornal. Soou me agradável ser chamado de cronista pelo senhor, e num rápido devaneio lembrei de meus pares como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues e claro Rubem Braga – o mestre! Soou me também grave a lembrança por um crônica, e terminou a ligação polida e educadamente dizendo que os leitores estavam perguntando por meus textos.
Pus me firme e decidido a escrever uma crônica, uma bela crônica que acalmaria todos os corações que me haviam esperado, pensei em histórias, fatos, reportagens, canções e nada. Não consegui, juro haver dedicado tempo e esforço hercúleo e a única coisa que saiu de mim foi a adorável sensação de estar ladeado por Rubem Braga nesse ofício. A dura realidade é que estou muito aquém do grande cronista e não posso cometer o desatino de querer estar a seu lado no panteão da literatura. A verdade é que pouca coisa me chama a atenção há dias, pode ser temporário senhor editor, e vos peço um pouco mais de paciência.
Ocorre que dentre os raros assuntos que me ocorrem, todos fogem diante da lembrança de um certo olhar puro e do acastanhado de certo cabelo e tem entorpecido minha criatividade esparsa como mosquitos no ar. O leitor entenderá, diga a ele que este cronista tem tido dias que não valem nota e que meu desânimo em escrever terá tempo determinado, como determinado é o motivo e determinado estou a não pensar mais naquela pele pura e fresca, quase sempre recém lavada delineando uma geografia firme e delicada.
Faça uma nota, não, faça uma matéria de página inteira, aliás e melhor ainda, faça uma matéria de primeira página. Anuncie que ressuscitarei, que estarei com todo vigor e criatividade limpos e fortes, que meu português estará impecável e que não errarei no tempo nem no modo e nem na pessoa os meus verbos mais íntimos. Proclame que de um não-assunto serei capaz de produzir as mais belas palavras para alegrar o dia do mais exigente leitor.
Só não posso fazê-lo hoje, não, não. Hoje estou como Fernando Pessoa, onde toda a vida, força e glória estão no amanhã. Entretanto, não sou como o poeta lusitano, nem como os cronistas famosos, sou um homem simples parado em vão esperando diante de uma caneta, uma folha em branco e a lembrança um sorriso meigo e distante. Um sorriso que talvez eu não veja jamais senão apenas em minha lembrança que insiste em fazer piadas de mal gosto em vez de fazer textos. Sinto muito amigo editor, não ando muito bem para escrever crônicas bonitas, não ando muito bem para escrever crônicas, não ando muito bem para escrever… Não ando muito bem.”
Jefrson Sartori